segunda-feira, outubro 11, 2004

Um dia negro para a indecidibilidade

Ontem, morreu Derrida. Ou talvez anteontem, não sei. Numa página panegírica, o "Público" lembra o legado do "pai do desconstrutivismo", da “diferença”, da "indecidibilidade" e de inúmeros outros conceitos, todos obedientes ao conceito basilar da "incompreensão". Para testemunhar a importância do filósofo, foram chamados Eduardo Prado Coelho e Manuel Maria Carrilho, nomes que por si só legitimam o lugar do francês no pensamento contemporâneo.
Mas também se evocaram os pormenores pitorescos, como a recusa de Derrida em ser fotografado ou filmado, que durou até à década de 70. Ao que parece, ele acreditava genuinamente que as câmaras podiam roubar-lhe a alma ou a carteira, dependendo do utilizador. Quando, aí por 1972, o informaram da imbecilidade da tese, ele passou a autorizar retratos 3x4 e desenvolveu em dez minutos um complexo edifício teórico, no qual demonstrava que um filme era mais movimentado que a imagem estática, e que ambos podiam ser vistos de pé.
Há menos de um ano, veio a Coimbra receber o doutoramento "honoris causa" e aproveitou para criar 25 novos conceitos, só no comboio para a Mealhada. No regresso, provou com uma simples des(pres)suposição da não-inércia co-tangente à imaterialidade da/na linguagem mí(s)tica que o Meta dos Leitões serve bem e em conta.
Além de activista político, foi um estudioso voraz de geometria, física e matemática, pormenor notável numa pessoa que nunca chegou a perceber qualquer dessas ciências.
Mais notável ainda é que Derrida partiu sem se sentir incompreendido. A falta que semelhante homem nos fará apenas pode definir-se através de um conceito que ele, infelizmente, se esqueceu de criar.