O «Público», passe a redundância, publicou hoje um poema de Manuel Alegre. Manuel Alegre ameaça tornar-se o bardo das efemérides. Há dois anos, a propósito do Mundial de futebol, levámos com um poema para Figo. Agora, a pretexto do 25 de Abril, há poema ao "r". Esperemos que, desta vez, seja melhor prenúncio.
E passemos ao comentário:
ABRIL COM "R"
[Gramaticalmente, é correcto]
Trinta anos depois querem tirar o r
[Parece-me que o "r" a tirar pertencia à palavra "Revolução", mas aceita-se enquanto metáfora (Revolução/Abril)]
se puderem vai a cedilha e o til
[Lá está: num efeito de elipse, passou-se de Abril à Revolução. Sucede que Revolução sem "r", cedilha e til, fica "evolucao", o que não faz grande sentido]
trinta anos depois alguém que berre
[A figura - e a prática - do berro é recorrente na vida e obra do autor]
r de revolução r de Abril
[Eis a metáfora resolvida - ver acima]
r até de porra r vezes dois
[Verso tipicamente Aryano. No entanto, é escusado enervarmo-nos]
r de renascer trinta anos depois
[O poeta confessa ter passado trinta anos acabrunhado]
Trinta anos depois ainda nos resta
da liberdade o l mas qualquer dia
[Caso contrário, teríamos "iberdade", de significado oculto. A quem poderia servir esta afronta?]
democracia fica sem o d.
["Emocracia"? Idem]
Alguém que faça um f para a festa
[Não é preciso, já está feito]
alguém que venha perguntar porquê
[Porquê o quê?]
e traga um grande p de poesia.
[É forçoso ser muito grande? E para que serve?]
Trinta anos depois a vida é tua
[O poema, até aqui sem destinatário, ganha de súbito um interlocutor, infelizmente não identificado]
agarra as letras todas e com elas
[...faz uma sopa?]
escreve a palavra amor (onde somos sempre dois)
[O dr. Alegre está nitidamente à margem das tendências sexuais dos últimos três mil anos, pelo menos. O exílio tem destes contratempos]
escreve a palavra amor em cada rua
[E depois quem limpa?]
e então verás de novo as caravelas
[Para que se veja assim caravelas no meio das ruas, dá-me a impressão que é preciso fazer mais qualquer coisa além de rabiscar paredes]
a passar por aqui: trinta anos depois
[O Salgueiro Maia desceu de Santarém numa caravela?]