quarta-feira, abril 28, 2004

O homem a quem parece que aconteceu não sei o quê

Segundo a Charlotte, o Ricardo Araújo Pereira faz hoje trinta anos. Numa atitude de desrespeito pelos mais velhos, estou proibido pelo Ricardo de elogiá-lo em público. Como elogiá-lo em privado seria uma franca paneleirice, recorro ao colectivo e opto por lembrar uma evidência: o Gato Fedorento não é só o melhor programa português de humor desde o "Zip-Zip" e o "Tal Canal", o Gate Fedorente, como lhe chama o general Eanes, é o melhor programa português de humor e ponto. Antes da doença, Herman fez coisas óptimas. Durante a doença, o padre Fanhais também. Ambos sem jamais chegarem ao génio do "Anão Roberto" nem do "Empresário do Lusco-Fusco". Próxima disto, apenas a rábula do capitão Durão Clemente no 25 de Novembro. Mas entretanto veio o golpe e nós andamos há 29 anos sem conhecer a punch line. Enquanto a Rtp não deixa o homem terminar a piada, o Gato Fedorento nem sequer permite comparações.

terça-feira, abril 27, 2004

Involução

O presidente da república entendeu atribuir a Ordem da Liberdade à dra. Isabel do Carmo. Fora a referência ao "mérito", os motivos da comenda não foram especificados. Sabemos, isso sim, que a dra. Isabel combateu com igual empenho a ditadura e a democracia, ainda que esteja por apurar qual das lutas foi tida mais em conta. Entrevistada na Sic Notícias, os jornalistas de serviço fizeram-lhe imensas perguntas sobre a primeira, e esqueceram-se da segunda. Acontece. Nesta terra, aliás, acontece de tudo.

Palavras e expressões a abolir: ressalvas (ou a patrulha blogosférica, cont.)

"Na minha óptica". Embora estudos (Hudson and Clarke, 1993) confirmem a elevada malignidade da expressão, esta pode ser usada sem contra-indicações se o respectivo autor for o proprietário de um estabelecimento ligado à oftalmologia.

"Ao nível". O seu uso indiscriminado acabou por produzir antídotos na maioria da população. Em laboratório, porém, Ferrer e Baumann (2001) ainda detectaram índices de reactividade susceptíveis de proibição. Aceita-se sempre que, entoada em sotaque nortenho, preceda os nomes próprios de um determinado ex-primeiro-ministro: "Ó níbel" Cavaco Silva. E só.

sexta-feira, abril 23, 2004

Suplemento cultural: análise de conteúdo

O «Público», passe a redundância, publicou hoje um poema de Manuel Alegre. Manuel Alegre ameaça tornar-se o bardo das efemérides. Há dois anos, a propósito do Mundial de futebol, levámos com um poema para Figo. Agora, a pretexto do 25 de Abril, há poema ao "r". Esperemos que, desta vez, seja melhor prenúncio.

E passemos ao comentário:

ABRIL COM "R"

[Gramaticalmente, é correcto]

Trinta anos depois querem tirar o r

[Parece-me que o "r" a tirar pertencia à palavra "Revolução", mas aceita-se enquanto metáfora (Revolução/Abril)]

se puderem vai a cedilha e o til

[Lá está: num efeito de elipse, passou-se de Abril à Revolução. Sucede que Revolução sem "r", cedilha e til, fica "evolucao", o que não faz grande sentido]

trinta anos depois alguém que berre

[A figura - e a prática - do berro é recorrente na vida e obra do autor]

r de revolução r de Abril

[Eis a metáfora resolvida - ver acima]

r até de porra r vezes dois

[Verso tipicamente Aryano. No entanto, é escusado enervarmo-nos]

r de renascer trinta anos depois

[O poeta confessa ter passado trinta anos acabrunhado]

Trinta anos depois ainda nos resta
da liberdade o l mas qualquer dia

[Caso contrário, teríamos "iberdade", de significado oculto. A quem poderia servir esta afronta?]

democracia fica sem o d.

["Emocracia"? Idem]

Alguém que faça um f para a festa

[Não é preciso, já está feito]

alguém que venha perguntar porquê

[Porquê o quê?]

e traga um grande p de poesia.

[É forçoso ser muito grande? E para que serve?]

Trinta anos depois a vida é tua

[O poema, até aqui sem destinatário, ganha de súbito um interlocutor, infelizmente não identificado]

agarra as letras todas e com elas

[...faz uma sopa?]

escreve a palavra amor (onde somos sempre dois)

[O dr. Alegre está nitidamente à margem das tendências sexuais dos últimos três mil anos, pelo menos. O exílio tem destes contratempos]

escreve a palavra amor em cada rua

[E depois quem limpa?]

e então verás de novo as caravelas

[Para que se veja assim caravelas no meio das ruas, dá-me a impressão que é preciso fazer mais qualquer coisa além de rabiscar paredes]

a passar por aqui: trinta anos depois

[O Salgueiro Maia desceu de Santarém numa caravela?]

Boas vindas (tardias e sinceras)

Ao Paulo Pinto Mascarenhas (que não permite comentários n' O Acidental, logo é, felizmente, um blogueiro reaccionário).

Agradecimentos (tardios e sinceros)

Ao Miguel, por me ter disponibilizado o Intermitente (e pela informação sobre o Soulseek, que já me obrigou a alargar o tarifário de downloads).

quarta-feira, abril 21, 2004

Subsídios para um estudo coordenado por Carla Hilário de Almeida Quevedo

Há vocábulos cujo uso desajustado os torna susceptíveis de erradicação sumária, quando, na sua origem, possuíam uma função pertinente e deveras útil.
Um caso típico é Nomeadamente, hoje aplicado para exemplificar alguns elementos de um conjunto geral. Errado, como a seguir veremos.
Ezequiel Nomeada foi um tanoeiro e um místico que viveu em Salamanca, na segunda metade do século XIV. Aos 26 anos, abandonou a primeira profissão para abraçar a tempo inteiro o misticismo, que até então exercia apenas em horário pós-laboral. Certo dia, enquanto lia as entranhas de um faisão estufado, foi possuído por um arrebatamento súbito e descobriu que não só a Terra gravitava na órbita do sol como ambos giravam em torno do seu cunhado, o comerciante e também místico Pepe "Pepito" Vargas. Julgado por heresia e vadiagem, Nomeada foi ouvido por um juiz de primeira instância, perante o qual negou tudo. Porém, não convenceu o juiz, que proclamou, antes de o condenar a 32 anos de trabalho voluntário, "Nomeada miente!" Testemunhos coevos garantem que, entredentes, o pobre Nomeada terá respondido "E no entanto, o gajo tem razão."
Os séculos distorceram a primeira expressão (de início muito popular sempre que se desmascarava um mentiroso) e trouxeram-na, adulterada e insuportável, até à boca dos nossos políticos, jornalistas e dirigentes desportivos. Já a segunda expressão permaneceu intacta, à semelhança de Pepe "Pepito" Vargas, entretanto fugido para a Bretanha, onde viveria feliz durante mês e meio até cair vítima da peste negra.

Por hoje é tudo.

terça-feira, abril 20, 2004

A detenção do major Loureiro (para a Charlotte, com adicionais vocábulos a abolir desde ontem)

Nesta fase do campeonato, a vertente empenhadamente persecutória ao nível da PJ, além de potencialmente estrafegar a justiça portuguesa, concretiza um assassinato pessoal que não interessa ao Menino Jesus. Ou talvez interesse, que eu não conheço o Indivíduo. Nem tenho a veleidade de vir a conhecer, mas, em matérias de tal solenidade, nunca digas nunca.

Melhor, só o livro do Carrilho

Se este blogue estivesse em regime de actualização diária, teria a tempo recomendado um filme, "L’Adversaire", de Nicole Garcia, que vi em dvd. Entretanto, a água correu e o carteiro trouxe encomenda da Amazon. Donde recomendo preferencialmente um livro, "The Adversary", de Emmanuel Carrere (tradução inglesa). Desde o "Joe Gould’s Secret" (Joseph Mitchell) que não lia história - repito: história - tão inquietante.

P.S.: Aos interessados, o Ricardo Gross, que sabe tudo, tudo, tudo, garantiu-me que há edição nacional.

Pois é

Desde a semana passada que estou a acumular as crónicas para o «Correio da Manhã» com as crónicas da «Sábado» (números zero). A «Sábado», caso não saibais, ímpios, é desde (3, 2, 1) este momento a melhor revista nacional (falo a sério), embora só saia a público no dia 7 de Maio. Tem os melhores exclusivos, os melhores directores, a melhor redacção e a maioria dos melhores colunistas (ainda que eu faça parte destes).
O reverso desta euforia toda é que não sei o que fazer com o Homem a Dias. Já pensei em fechá-lo. Já pensei em dedicá-lo à transcrição das obras completas do Millôr Fernandes e do Auberon Waugh. Já pensei, Deus é testemunha, em fundi-lo, inclusive com um blogue da esquerda - mas isso teria outro nome.
Aceito sugestões. Ou vagas de fundo.

quinta-feira, abril 08, 2004

Obras em curso

Descansem os amigos, irritem-se os restantes: a mariscada de sábado, com o Ricardo e o João, não me provocou qualquer indigestão, muito pelo contrário. Sucede apenas que a minha vida profissional sofreu uns abalos recentes e ainda estou para saber que tempo e que temas sobrarão ao blogue. Pausa para reflectir, portanto. Em breve explicarei melhor.

sábado, abril 03, 2004

Encontros imediatos

Soube hoje que o locutor Rui Morrison, primo do vocalista dos Doors (séc. XX), foi atropelado pelo dr. Ferro Rodrigues e ficou, logo de seguida, encantado pela simpatia do líder do PS e dos seus assessores. Há gente assim. Por acaso, o dr. Ferro nunca me atropelou. Mas já fiz grandes amizades sob os pneus de um furgão distraído ou de uma carrinha apressada. A minha própria mulher, por exemplo, era camionista de longo curso na Rodonorte: conhecemo-nos num ramal do IP4 e o resto é história.

Atrasados porém sentidos

sexta-feira, abril 02, 2004

Os dias felizes

O sr. Pinto da Costa, certeiro como de costume, pôs o dedo na ferida. Depois desinfectou as mãos e declarou que o sr. Scolari destruiu a empatia existente entre o público e a selecção de futebol. Então não? Quem poderá esquecer a empática recepção ao treinador da época, após as glórias da Coreia? Os empáticos gritos de "vai para o caralho, pá"? A vontade dos adeptos em empaticamente roçar as solas dos sapatos no venerado corpo do mister? Bons tempos, em que o fervor pela equipa de todos nós abalava até a habitual frieza do sr. Oliveira. Só não é correcto dizer-se que o homem abandonou o aeroporto de muletas porque, prevenido, já chegara com elas.

Bloscares - a ressaca

Mesmo não tendo ganho nada (pulhas), faço questão de enaltecer a organização do incansável A Origem do Amor (bandalhos) e congratular os vencedores (malditos sejam). Nestas coisas, uma nomeação já é motivo de orgulho (é o és). A terminar, desejo que a iniciativa se repita por muitos e longos anos (na Guiné não se safavam sem uma recontagem dos votos, corja de vendidos).

quinta-feira, abril 01, 2004

Nem a brincar

A mais assustadora mentira do dia pertence à Charlotte. E se?