quinta-feira, janeiro 06, 2005

Entrar mudo, sair abençoado

Gozem-me o que quiserem, mas continuo a achar que os minutos de silêncio são de imensa utilidade para os destinatários. Um minuto, é jeitoso. Dois minutos, é de homem. Três minutos, então, são coisa heróica, capaz de regenerar os males da Terra enquanto o dr. Sampaio ainda inicia os 3/17 avos de um discurso tamanho médio.
Ontem, por acaso, guardei 180 segundos valentes para ajudar as vítimas do sismo no Sudeste Asiático. E nem custou nada. Às onze horas, encontrava-me em sentido na fila de uma repartição pública. Como ninguém falou comigo e eu não falei com ninguém, lá está, três minutos bem contados. Aliás, tenho a impressão de que foram uns seis ou sete, mas não quero armar-me em santo.
Um amigo a quem narrei o feito disse que assim não vale. Trata-se de inveja, claro. O que importa é a minha consciência, e essa, tal como os meus pés ontem, está cansada. Cansada de saber que guardei os três minutos, sim senhor. Guardei-os tão bem que já nem sei onde é que eles andam.

PS: Se preciso fosse, voltei a comprovar a generosidade do nosso povo. Na repartição pública, todos atravessaram os três minutos em rigoroso silêncio. Todos menos, naturalmente, os felizardos que já estavam a ser atendidos e as biltres das funcionárias que os atendiam. E daquela senhora que, atrás de mim, reclamava sozinha que o tribunal não a obrigara a declarar num impresso qualquer que a filha era tutelada pela mãe e agora tinha passado o prazo para ela preencher outro impresso qualquer e ela estava a ver a vida andar para trás porque cheirava-lhe a multa e ainda por cima já eram onze horas e a fila nunca mais avançava, rais parta isto.