Uma coroa de flores para o Álvaro
Vasili Mitrokhin, um antigo arquivista do KGB, passou doze anos a copiar e a guardar informação confidencial dos serviços secretos soviéticos. Em 1992, fugiu para o Ocidente e na semana passada tornou público o espólio acumulado, através do Times londrino. As revelações – que incluem planos da URSS para sabotar a investidura do príncipe de Gales ou inutilizar fisicamente o bailarino Nureyev -, estão, como se usa dizer, a agitar o Reino Unido, sobretudo devido às denúncias de cidadãos britânicos que praticavam espionagem em favor de Moscovo.
Do que não se fala, naturalmente em Inglaterra, mas estranhamente em Portugal, é das numerosas referências que Mitrokhin faz ao muito nosso Álvaro Cunhal, bem como aos seus arrabaldes, também conhecidos por PCP. A maioria das histórias, é certo, não podem ser consideradas chocantes. Que Cunhal pertencia à “linha dura” e era “leal” ao “sol” soviético, nós já sabíamos; que foi dos raros comunistas ocidentais (e o primeiro) a apoiar a invasão de Praga, idem. Faltava apenas esclarecer alguns pormenores, o que o “Arquivo Mitrokhin” consegue.
Graças a ele, passamos a ter indícios detalhados de que, nas décadas de 70 e de 80 (em democracia, note-se), o PCP (leia-se o camarada Álvaro) entregou aos agentes do KGB em Lisboa meia tonelada de documentação vária, envolvendo material da PIDE, da NATO e dos Serviços Especiais portugueses. Além disso, era frequente o recrutamento e o envio de elementos do partido rumo à Rússia, visando formação intensiva com os especialistas locais em artes revolucionárias.
É claro que, até há dez anos, um bom comuna devia obediência e fidelidade à URSS acima de tudo, sendo a nação de origem, como tantas outras coisas, irrelevante. Nesta perspectiva, e a confirmarem-se os registos de Mitrokhin, o camarada Álvaro agiu de forma inequivocamente louvável, correspondendo aos interesses soviéticos, que eram, não sei se se lembram, os interesses de todos os povos.
Por acaso, o mundo teima em reger-se por valores distintos, e uma pessoa que trafica informações comprometedoras para o seu país é, tecnicamente, um espião e, em última instância, um traidor. Dantes, semelhante proeza pagava-se com a forca, ou, na falta dela, com cadeia demorada. Hoje, nesta terra, o atestado dos crimes do PCP não suscitou um pio. Onde andam os profissionais da indignação, que tanto se maçam com Jardim, a “hipocrisia” internacional, a ONU e o pobre Clinton? Suspeito que o seu silêncio não se deve à vetusta idade de Cunhal, pois o mesmo argumento não evitou o júbilo pela prisão de Pinochet. E, ainda que assim fosse, não haveria uns camaradinhas mais moços prontos a ocupar Caxias?
Do que não se fala, naturalmente em Inglaterra, mas estranhamente em Portugal, é das numerosas referências que Mitrokhin faz ao muito nosso Álvaro Cunhal, bem como aos seus arrabaldes, também conhecidos por PCP. A maioria das histórias, é certo, não podem ser consideradas chocantes. Que Cunhal pertencia à “linha dura” e era “leal” ao “sol” soviético, nós já sabíamos; que foi dos raros comunistas ocidentais (e o primeiro) a apoiar a invasão de Praga, idem. Faltava apenas esclarecer alguns pormenores, o que o “Arquivo Mitrokhin” consegue.
Graças a ele, passamos a ter indícios detalhados de que, nas décadas de 70 e de 80 (em democracia, note-se), o PCP (leia-se o camarada Álvaro) entregou aos agentes do KGB em Lisboa meia tonelada de documentação vária, envolvendo material da PIDE, da NATO e dos Serviços Especiais portugueses. Além disso, era frequente o recrutamento e o envio de elementos do partido rumo à Rússia, visando formação intensiva com os especialistas locais em artes revolucionárias.
É claro que, até há dez anos, um bom comuna devia obediência e fidelidade à URSS acima de tudo, sendo a nação de origem, como tantas outras coisas, irrelevante. Nesta perspectiva, e a confirmarem-se os registos de Mitrokhin, o camarada Álvaro agiu de forma inequivocamente louvável, correspondendo aos interesses soviéticos, que eram, não sei se se lembram, os interesses de todos os povos.
Por acaso, o mundo teima em reger-se por valores distintos, e uma pessoa que trafica informações comprometedoras para o seu país é, tecnicamente, um espião e, em última instância, um traidor. Dantes, semelhante proeza pagava-se com a forca, ou, na falta dela, com cadeia demorada. Hoje, nesta terra, o atestado dos crimes do PCP não suscitou um pio. Onde andam os profissionais da indignação, que tanto se maçam com Jardim, a “hipocrisia” internacional, a ONU e o pobre Clinton? Suspeito que o seu silêncio não se deve à vetusta idade de Cunhal, pois o mesmo argumento não evitou o júbilo pela prisão de Pinochet. E, ainda que assim fosse, não haveria uns camaradinhas mais moços prontos a ocupar Caxias?
Correio da Manhã, 22 Setembro 1999
[Nota: hoje, assim de memória, já que de momento não tenho acesso ao livro ou a outra fonte fiável, surgem-me algumas dúvidas de que o fornecimento de informação ao KGB tenha continuado para além do PREC. O que não retira gravidade ao facto, mas pode retirar precisão ao texto. Não importa: à época saiu assim, e assim continua. Reclamações à sede da Soeiro Pereira Gomes, sff.]
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